quarta-feira, 26 de outubro de 2011

“O Bom Inverno” – João Tordo


“O Bom Inverno” – João Tordo

Criaram-se muitas expectativas em torno do novo romance de João Tordo, O Bom Inverno– é natural, afinal o autor ganhou há pouco tempo o Prémio José Saramago 2009, com As Três Vidas. Por norma, quando se geram muitas expectativas, dá mau resultado, seja em livros, filmes, discos ou qualquer outro tipo de obra. Felizmente, desta vez isso não aconteceu, ou seja, o livro (editado pela Dom Quixote) é mesmo bom; muito bom, sejamos justos.
Bem escrito, com uma boa selecção de vocabulário, bem estruturado e desenvolvido,O Bom Inverno é um excelente romance negro que, apesar do seu estilo clássico, não deixa de surpreender o leitor. Este é, igualmente, um livro sobre escritores e o processo de escrita e aqui por certo as vivências pessoais de Tordo não terão sido esquecidas na hora de “montar” uma série de personagens fascinantes.
O enredo avança lenta mas progressivamente para o abismo. Tudo começa numa reunião de escritores na Hungria, onde um depressivo autor português trava conhecimento com um estouvado italiano, e acaba num denso bosque italiano, onde não faltam cadáveres, carreiros sem saída, desconfianças, traições, vinganças, dolorosas revelações e estranhas formas de justiça.
O escritor português, um frustrado que faz do Dr. House uma referência (coxeia como ele, mas sem motivos para o fazer – é tudo psicológico), aceita, contrariado, participar num encontro literário em Budapeste – o dinheiro pago pela presença faz-lhe jeito, dada a escassa produção literária que tem tido. Na Hungria trava conhecimento com o extrovertido e inconsequente Vicenzo, que, apesar de ser o oposto do português, o convence a ir a Sabaudia, à casa de um produtor de cinema conhecido por apoiar artistas. Lá em Sabaudia, onde se reúne um grupo internacional de artistas e “penduras” (cada um mais estranho e louco do que o outro), quando o tal produtor, Don Metzger, aparece, já está morto, e logo no lago de sua casa.
Em O Bom Inverno há um bom leque de personagens cativantes e imprevisíveis, um leque onde podemos incluir a própria casa de Don, “personagem” fundamental para o desenrolar da história. Fundamental, também, é Bosco, um artista catalão – careca, fisicamente enorme e assustador – protegido por Don que se dedica a construir e lançar balões de ar quente e que carrega um passado pouco habitual para alguém ligado às artes, pois passou por diversos cenários de guerra e morte. É Bosco quem quer – à força (e não é pouca) – justiça, uma forma de vingar o seu protector, que, achava ele, já antes era “sugado” pelos seus convidados/protegidos. Para tal, não deixa ninguém sair de lá e, criando um ambiente terrível entre as personagens, pretende descobrir, escondendo-se no bosque, o culpado. O ambiente claustrofóbico que se gera puxa pelo lado mais negro e deprimente das pessoas envolvidas, não permitindo a ninguém afirmar-se e mostrar-se totalmente inocente.
É, portanto, um livro de muitas personagens, muito diferentes entre si, como se o próprio autor as quisesse descobrir, ver como se comportavam em condições extremas. Para o leitor tanto melhor, pois também tem a possibilidade acompanhar o desenvolvimento dessas personagens. E, avisa-se desde já, não vale a pena nutrir simpatia por nenhuma em especial, todas hão-de revelar os seus podres.

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