domingo, 14 de julho de 2013

Livros e férias


Nas férias os livros são, também, boas companhias. Até Setembro.

Boas férias e boas leituras

Catálogo online da BE


terça-feira, 4 de junho de 2013

Os Maias

  

Os Maias, uma sugestão de leitura

Os olhares dos alunos do 11º E cruzam-se no universo de Os Maias. Fixam um momento marcante, uma personagem inspiradora, uma cor, um espaço envolvente. Segue-se o registo de impressões de leitura em ilustrações e breves comentários. Estímulos subjetivos que emergem, convidando a um novo olhar sobre o romance ou simplesmente à sua (re)leitura… 
 



 

 

 

 

 

 
Ilustração 1



texto1
Considero este momento determinante na relação amorosa entre Carlos e Maria Eduarda. Penso que nele existe um pouco de drama (“E não pôde mais, tombou para o chão (…) perdida de choro. “). Contudo, o amor, a bondade e a paixão de Carlos falaram mais alto (“…grandiosa bondade misturou-se à sua paixão.”), tornando o clima envolto em emoções. No fundo, diria que se transmite um certo tumulto de sentimentos. Por outro lado, o pedido de casamento pareceu-me diferente, não só pela maneira como foi feito ( “- Maria, queres casar comigo?”), mas também pelas circunstâncias em que ambos se encontravam, que não eram propriamente aprazíveis (“…perdida de choro.” “…ferido no coração.”).

Este poderia ter sido o desfecho do romance, um desfecho marcado pela  explosão de vários sentimentos contraditórios, indecisões, e pelo facto de o amor ter superado as adversidades. E superou, pelo menos momentaneamente!

                                                                  Débora Monteiro, 11º E
 
 
texto2
  A visita inesperada que Castro Gomes faz a Carlos constitui o início de uma peripécia destinada a testar o amor entre Carlos e Maria Eduarda, o elemento catalisador de uma catástrofe: ”Castro Gomes sentou-se vagarosamente. No peito da sobrecasaca muito justa trazia um botão de rosa; os seus sapatos de verniz resplandeciam sobre as polainas de linho; (…) os cabelos rareavam-lhe na risca; e mesmo a sorrir tinha um ar de secura, de fadiga.(…)

Carlos defronte, numa cadeira, com os punhos fortemente fechados sobre os joelhos, conservava a imobilidade de um mármore. Carlos recaíra na cadeira, assombrado. E agora a lentidão adocicada daquela voz ia-se-lhe tornando intolerável. O outro passou os dedos no bigode, e prosseguiu, devagar, arranjando as suas palavras com cuidado e precisão.”

 Eça de Queirós presenteia-nos com uma elevada dose de ironia, sendo delicioso observar a satisfação negra de Castro Gomes ao humilhar Carlos, desvendando o passado de Maria Eduarda.

                                     (Ana Margarida Cavaco, 11º E)
 
 Ilustração3
     Texto3

Maria Monforte, mãe de Maria Eduarda e de Carlos, arrebata com a sua beleza Pedro da Maia, assim que ele a vê no Chiado: “…oferecia verdadeiramente a encarnação de um ideal da renascença, um modelo de Ticiano.” Desperta-lhe uma paixão avassaladora, que nem o seu passado obscuro nem a oposição direta de Afonso da Maia conseguirão derrubar.

                                        (Sara Gonçalves,11º E)

 Ilustração 4
 
texto 4

 João da Ega é o amigo inseparável de Carlos da Maia, considerado em muitos aspetos como o retrato do seu próprio autor. Destaca-se pelas suas ideias polémicas, e também pela forma avassaladora como vive o amor por Raquel Cohen. Isabel Pires de Lima destaca a sua projeção e relevo, evidenciando as diversas facetas que a personagem assume no romance, aparecendo “ora como um Ega satânico, ora como um Ega positivista, ora como um Ega revolucionário, irreverente, ora como um Ega dândi, ora como um Ega cínico, ora como um Ega romântico, pobre diabo apaixonado, ora como o familiar John, íntimo do Ramalhete.”

                            (Mafalda Toco, 11º E)


 Ilustração5
 texto5
A Vila Balzac é referida n` Os Maias como "um chalezinho retirado, fresco, assombreado, sorrindo entre árvores. Passava-se primeiro a Cruz dos Quatro Caminhos; depois penetrava-se numa vereda larga, entre quintais, descendo pelo pendor da colina, mas acessível a carruagens; e aí, num recanto, ladeada de muros, aparecia enfim uma casota de paredes enxovalhadas, com dois degraus de pedra à porta e transparentes novos de um escarlate estridente."

  No seu quarto destaca-se a cama, que parecia ser o centro da casa, e "um largo cortinado de seda da Índia avermelhada envolvia-o num aparato de tabernáculo". Para Ega, este deveria ser um espaço onde “estudaria”.  Segundo ele,  esgotara ali a sua  imaginação artística. A cor predominante era o vermelho, sugerindo o culto do satanismo e a paixão. Ao lado da cama, estava um espelho que nos revela o lado narcisista de Ega. Espalhados pelo quarto estavam livros de autores de renome, que tornam evidente o seu lado intelectual, e que contrastavam com os diversos objetos deixados ali pelas mulheres que o visitavam, uma “…caixa de pó de arroz no meio de plastrões…”e “…ganchos do cabelo ao lado de ferros de frisar…”, denunciando o seu lado boémio e apaixonado.
                                                                              (Teresa Gonçalves, 11º E)

terça-feira, 28 de maio de 2013

Mia Couto ganha prémio Camões

O vencedor do prémio literário mais importante da criação literária da língua portuguesa é o escritor moçambicano autor de livros como Raiz de Orvalho, Terra Sonâmbula e A Confissão da Leoa . É o segundo autor de Moçambique a ser distinguido, depois de José Craveirinha em 1991.
O júri justificou a distinção de Mia Couto tendo em conta a “vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e a profunda humanidade”, segundo disse à agência Lusa José Carlos Vasconcelos, um dos jurados.
A obra de Mia Couto, “inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade”, acrescentou Vasconcelos. Além disso, conseguiu “passar do local para o global”, numa produção que já conta 30 livros, que tem extravasado as suas fronteiras nacionais e tem “tido um grande reconhecimento da crítica”. Os seus livros estão, de resto, traduzidos em duas dezenas de línguas.
Do júri, que se reuniu durante a tarde desta segunda-feira no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro e da Biblioteca Nacional, fizeram também parte, do lado de Portugal, a professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa Clara Crabbé Rocha (filha de Miguel Torga, o primeiro galardoado com o Prémio Camões, em 1989), os brasileiros Alcir Pécora, crítico e professor da Universidade de Campinas, e Alberto da Costa e Silva, embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e professor universitário moçambicano João Paulo Borges Coelho e o escritor angolano José Eduardo Agualusa.
Também em declaração à Lusa, Mia Couto disse-se "surpreendido e muito feliz" por ter sido distinguido com o 25º. Prémio Camões, num dia que, revelou, não lhe estava a correr de feição. “Recebi a notícia há meia hora, num telefonema que me fizeram do Brasil. Logo hoje, que é um daqueles dias em que a gente pensa: vou jantar, vou deitar-me e quero me apagar do mundo. De repente, apareceu esta chamada telefónica e, obviamente, fiquei muito feliz”, comentou o escritor, sem adiantar as razões.
O editor português de Mia Couto, Zeferino Coelho (Caminho), ficou também “contentíssimo” quando soube da distinção. “Já há muitos anos esperava que lhe dessem o Prémio Camões, finalmente veio”, disse ao PÚBLICO, lembrando que passam agora 30 anos sobre a edição do primeiro livro de Mia Couto em Moçambique, Raiz de Orvalho.
O escritor não virá à Feira do Livro de Lisboa, actualmente a decorrer no Parque Eduardo VII, porque esteve na Feira do Livro de Bogotá, depois foi para o Canadá e só recentemente voltou a Maputo. Zeferino Coelho espera que o autor regresse a Portugal na rentrée, em Setembro ou Outubro.
No entanto esta distinção não o vai desviar do seu novo romance, sobre Gungunhana, personagem histórico de Moçambique. "O prémio não me desvia. Estou a escrever uma coisa que já vai há algum tempo, um ano, mais ou menos, e é sobre um personagem histórico da nossa resistência nacionalista, digamos assim, o Gungunhana, que foi preso pelo Mouzinho de Albuquerque, depois foi reconduzido para Portugal e acabou por morrer nos Açores”, disse Mia Couto, à agência Lusa. “Há naquela figura uma espécie de tragédia à volta desse herói, que foi mais inventado do que real, e que me apetece retratar”, sublinhou.
Nascido em 1955, na Beira, no seio de uma família de emigrantes portugueses, Mia Couto começou por estudar Medicina na Universidade de Lourenço Marques (actual Maputo). Integrou, na sua juventude, o movimento pela independência de Moçambique do colonialismo português. A seguir à independência, na sequência do 25 de Abril de 1974, interrompe os estudos e vira-se para o jornalismo, trabalhando em publicações como A Tribuna, Tempo e Notícias, e também a Agência de Informação de Moçambique (AIM), de que foi director.
Em meados da década de 1980, regressa à universidade para se formar em Biologia. Nessa altura, tinha já publicado, em 1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho.
"O livro surgiu em 1983, numa altura em que a revolução de Moçambique estava em plena pujança e todos nós tínhamos, de uma forma ou de outra, aderido à causa da independência. E a escrita era muito dominada por essa urgência política de mudar o mundo, de criar um homem e uma sociedade nova, tornou-se uma escrita muito panfletária”, comentou Mia Couto em entrevista ao PÚBLICO (20/11/1999), aquando da reedição daquele título pela Caminho.
Em 1986 edita o seu primeiro livro de crónicas, Vozes Anoitecidas, que lhe valeu o prémio da Associação de Escritores Moçambicanos. Mas é com o romance, e nomeadamente com o seu título de estreia neste género, Terra Sonâmbula (1992), que Mia Couto manifesta os primeiros sinais de “desobediência” ao padrão da língua portuguesa, criando fórmulas vocabulares inspiradas da língua oral que irão marcar a sua escrita e impor o seu estilo muito próprio.
“Só quando quis contar histórias é que se me colocou este desafio de deixar entrar a vida e a maneira como o português era remoldado em Moçambique para lhes dar maior força poética. A oralidade não é aquela coisa que se resolve mandando por aí umas brigadas a recolher histórias tradicionais, é muito mais que isso”, disse, na citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro, da desobediência.”
Foi nesse registo que se sucederam romances, sempre na Caminho, como A Varanda do Frangipani (1996), Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra (2002 – que o realizador José Carlos Oliveira haveria de adaptar ao grande ecrã), O Outro Pé da Sereia (2006), Jesusalém (2009), ou A Confissão da Leoa (2012). A propósito dos seus últimos livros, o escritor confessou algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes confundida com a de um jogo de linguagem, por causa da quantidade de palavras e expressões “novas” que neles aparecem.
Paralelamente aos romances, Mia Couto continuou a escrever e a editar crónicas e poesia – “Eu sou da poesia”, justificou, numa referência às suas origens literárias.
Na sua carreira, foi também acumulando distinções, como os prémios Vergílio Ferreira (1999, pelo conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
O escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro, Prémio Camões 2008, disse à Lusa, no Rio de Janeiro, que “Mia Couto é, sem dúvida, um dos escritores mais importantes da língua portuguesa, e esse prémio é o reconhecimento que sua obra já há tempo faz por merecer”. E congratulou-se “festivamente com Mia Couto e com a literatura moçambicana, que ele honra com sua arte e exemplo”.
E o escritor português Vasco Graça Moura considerou também ser esta uma atribuição perfeitamente merecida. “Mia Couto é um grande escritor, parece-me perfeitamente justificado”, disse à Lusa. Mia Couto é um “grande autor de língua portuguesa” e tem “uma capacidade de invenção verbal surpreendente. Por isso, na perspectiva do escritor português, a obra de Mia Couto “ultrapassa, de algum modo, os limites normais da prosa escrita em português”.

Nas anteriores 24 edições do Prémio Camões, Portugal e Brasil foram distinguidos dez vezes cada, a última das quais, respectivamente, nas figuras de Manuel António Pina (2011) e de Dalton Trevisan (2012). Angola teve, até ao momento, dois escritores citados: Pepetela, em 1997, e José Luandino Vieira, que, em 2006, recusou o prémio. De Moçambique fora já premiado José Craveirinha (1991) e de Cabo Verde Arménio Vieira (2009).
Criado por Portugal e pelo Brasil em 1989, e actualmente com o valor monetário de cem mil euros, este é o principal prémio destinado à literatura em língua portuguesa e consagra anualmente um autor que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum. Com Isabel Coutinho

Notícia actualizada com declarações do escritor Mia Couto, do seu editor português Zeferino Coelho, do escritor brasileiro João Ubaldo Ribeiro e do português Vasco Graça Moura.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Exposição de soldadinhos da 2ª Guerra Mundial


 


 Exército Francês










                                                             
              Exército Alemão
                             










Exército
Americano










                                             
                                                  
      Exército da
       URSS  Exérc. Japonês














quinta-feira, 9 de maio de 2013

Dia da Europa


A Espan comemorou o Dia da Europa com a exposição Tempos de Terror, organizada pela professora Célia Prata, a projecção de um filme sobre os Campos de Concentração, analisado pelo professor António Caria Mendes e uma palestra com o neto do cônsul Aristides de Sousa Mendes, Dr António Sousa Mendes, que ajudou a perceber os motivos que o levaram a ajudar centenas de judeus a fugirem do Holocausto nazi.








Neto de Aristides de Sousa Mendes, dr António de Sousa Mendes, na Espan

Campos de concentração nazis

terça-feira, 7 de maio de 2013

Lídia Jorge



Num estilo coloquial e despretensioso, Lídia Jorge encantou o auditório.
Entre uma história e outra, falou da sua vida de estudante, de um Algarve já desaparecido, dos trabalhos que fez e da dificuldade até à publicação do primeiro livro, O dia dos prodígios.
No final, o tempo foi curto para a conversa entre a escritora e os alunos.
Obrigado, Lídia Jorge!


domingo, 5 de maio de 2013


Poema à Mãe

No mais fundo de ti, 
eu sei que traí, mãe 

Tudo porque já não sou 
o retrato adormecido 
no fundo dos teus olhos. 

Tudo porque tu ignoras 
que há leitos onde o frio não se demora 
e noites rumorosas de águas matinais. 

Por isso, às vezes, as palavras que te digo 
são duras, mãe, 
e o nosso amor é infeliz. 

Tudo porque perdi as rosas brancas 
que apertava junto ao coração 
no retrato da moldura. 

Se soubesses como ainda amo as rosas, 
talvez não enchesses as horas de pesadelos. 

Mas tu esqueceste muita coisa; 
esqueceste que as minhas pernas cresceram, 
que todo o meu corpo cresceu, 
e até o meu coração 
ficou enorme, mãe! 

Olha — queres ouvir-me? — 
às vezes ainda sou o menino 
que adormeceu nos teus olhos; 

ainda aperto contra o coração 
rosas tão brancas 
como as que tens na moldura; 

ainda oiço a tua voz: 
          Era uma vez uma princesa 
          no meio de um laranjal... 

Mas — tu sabes — a noite é enorme,
 
e todo o meu corpo cresceu. 
Eu saí da moldura, 
dei às aves os meus olhos a beber, 

Não me esqueci de nada, mãe. 
Guardo a tua voz dentro de mim. 
E deixo-te as rosas. 

Boa noite. Eu vou com as aves. 

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"

sexta-feira, 3 de maio de 2013

quinta-feira, 25 de abril de 2013

25 de Abril


Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner Andresen, O Nome das Coisas (1977)

Abril com "R"

Abril com "R"

Trinta anos depois querem tirar o r
se puderem vai a cedilha e o til
trinta anos depois alguém que berre
r de revolução r de Abril
r até de porra r de vezes dois
r de renascer trinta anos depois

Trinta anos depois ainda nos resta
da liberdade o l mas qualquer dia
democracia fica sem o d
Alguém que faça um f para a festa
alguém que venha perguntar porquê
e traga um grande p de poesia.

Trinta anos depois a vida é tua
agarra as letras todas e com elas
escreve a palavra amor (onde somos sempre dois)
escreve a palavra amor em cada rua
e então verás de novo as caravelas
a passar por aqui trinta anos depois-

Manuel Alegre

segunda-feira, 22 de abril de 2013

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Lídia Jorge por Paulo Serra

Artigo do professor Paulo Serra, do núcleo de estágio  da Espan, publicado no jornal Correio do Sul.

Dia da Terra na Espan


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Lídia Jorge


"
Encontramo-nos hoje aqui para celebrar dez anos sobre a publicação do romance O Vento Assobiando nas Gruas, mas, ao fazê-lo, devemos celebrar também trinta e dois anos (O Dia dos Prodígios, o primeiro romance de Lídia Jorge, é de 1980) de produção literária. Nestes maus tempos, ou tempos maus, em que vivemos, e que são também demasiadas vezes tempos de má literatura, faz ainda mais sentido celebrarmos os escritores que, como Lídia Jorge, criam livros contra a corrente e que continuam o seu labor literário com perseverança, teimosia e também uma necessária intransigência, preservando para a escrita e para a literatura um lugar com dimensões transcendentes, uma presença real.

Um dia escutei da Lídia, já não me lembro em que contexto, uma observação que guardei até hoje. Lembro-me dela muitas vezes, refiro-a outras tantas e ela foi muito importante para mim, para que pudesse entender por que é que, um dia, também eu quis escrever. Defendia a Lídia que o escritor é alguém que, num determinado momento da vida, é remetido para um espaço marginal, de exclusão, o que o leva a tornar-se um extra-ordinário, um excecional observador da vida e dos outros. Estando de fora, tornando-se um Outro, o escritor vê para além do evidente e recolhe do mundo as impressões mais subtis e dos homens a verdade da sua condição. Milene Leandro, a protagonista de O Vento Assobiando nas Gruas, que sofre de oligofrenia, é, também ela, ao mesmo tempo, uma excluída e uma excecional testemunha do mundo. Neste sentido, ela pertence à família literária do epiléptico Príncipe Míchkin, o Idiota para a criação do qual Dostoiévski se inspirou em Dom Quixote e, através do qual, o escritor quis criar «a imagem do homem positivamente bom». Não por acaso O Idiota foi, e continua provavelmente a ser, um dos romances mais incompreendidos de Dostoiévski. E não por acaso Milene é talvez a figura mais importante criada por Lídia Jorge. Nela se expressa uma individualidade heroica, porque natural e espontânea.

Aos 34 anos, Milene observa o mundo com a inocência que genericamente se atribui a uma criança (isto a acreditarmos que as crianças são mais inocentes do que cruéis...). Sozinha em Valmares, sem a família, que partira de férias, Milene toma conhecimento da morte da avó (Dona Regina, cujo corpo foi encontrado em cima dos portais da Fábrica Velha) e assiste ao seu funeral. Enquanto vive estes acontecimentos, Milene procura traduzi-los em palavras, para que os possa vir a relatar à família. «Como muitas vezes lhe sucedia, possuía todos os elementos encadeados dentro da sua ideia e, no entanto, verdadeiramente, não dispunha de nada para dizer.»

Como o longo corpo da Fábrica Velha estendido ao sol, como as onze palmeiras em frente, como o campo de morraça em volta, depois como as gruas a que sobe o cabo-verdiano Antonino, Milene tem o saber das coisas caladas, o saber e a memória das testemunhas passivas. Mas, Milene não possui o poder de dizer as coisas que sabe de uma maneira certa, com uma forma que faça justiça àquele saber. Esse papel é dado à narradora, prima de Milene e, através dela, à autora, à escritora, que, como Milene, sabe, e que, por ela, diz. Os outros podem até ter tido «a intenção de a empurrar para o domínio da insignificância e da obscuridade, esse lugar onde tudo se perde e anula antes de tempo». Mas, escreve a narradora, «nós não deixámos».

A história do acolhimento de Milene pela família cabo-verdiana Mata (que há cinco anos é inquilina do património degradado da família Leandro, a Fábrica de Conservas, o «Diamante») e a história de «um amor comum, normal, indizível» entre Milene Leandro (neta da matriarca Regina e sobrinha do presidente da Câmara de Valmares) e o viúvo Antonino Mata (neto da matriarca Ana Mata) são histórias de dias da ira e de «confronto com a desordem do Mundo». Aqui se retrata o jogo que, muitas vezes (talvez a maior parte das vezes), está por detrás dos interesses políticos e financeiros, o jogo da crueldade social, que implica a subjugação de uns por outros. A denúncia deste jogo está presente, de uma forma mais ou menos vincada, em todos os romances de Lídia Jorge. Mas, aqui, em O Vento Assobiando nas Gruas, Lídia Jorge atinge um ideal meio campo entre a moral e a estética, e fá-las mover num mesmo tom (como Harold Bloom defende que George Elliot o fez em Middlemarch).

O cosmos das famílias Leandro e Mata na cidade ficcionada de Santa Maria de Valmares serve a imaginação moral. É uma metáfora do mundo, claro, e dos homens. Uma metáfora moral, ou, se preferirem, uma metáfora humanista, que fala de homens capazes de esterilizar outros, de os tornar transparentes, de os humilhar. Fala de traição e crime de homens sobre outros homens, seus irmãos. Poderosa como esta metáfora moral, encontramos também aqui uma metáfora da imobilidade e da mudança: o vento assobia nas gruas e elas remexem a terra para a modificarem, como a cultura moderna remexe em culturas antigas, para as alterar e as obliterar. Como em todos os livros de Lídia Jorge, prevalece sobre toda as metáforas e toda a narrativa de O Vento Assobiando nas Gruas uma ideia de humanidade e fraternidade que resiste, estoica, por mais excluída que ela seja e por mais que se vivam maus tempos, ou tempos maus.

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Lídia Jorge

Nascidos para Ler


2007-11-05 17:31:34
Em que dia nos transformámos em leitores para sempre? Cada um de nós lembrará a sua história. Recordará um colo, um abraço, um livro colocado na mão de alguém, uma estante, um professor, uma certa noite, um certo dia. Aquele momento e aquela hora em que se associou uma voz humana com a capacidade de multiplicar imagens infinitas dentro da cabeça, e de permeio estavam folhas escritas. Alguém que de súbito põe a mão na máquina que roda o filme das letras, e o cinema começa a correr por dentro da nossa vida. Alguém que depois nos coloca diante duma estante e nos diz – Aqui tens, tantos seres humanos quanto as lombadas, tantos filmes quantas as páginas. És um homem livre.
Em que dia, então, nos transformámos em leitores para sempre? Em que dia começámos a nascer para ler? Em que mês do ano aconteceu esse acaso da multiplicação dos Espaços dentro das nossas vidas? Ao mesmo tempo Ulisses e os cinco Compson?
Faço estas perguntas e estou a pensar numa ideia nova, talvez a única ideia revolucionária que desde as últimas décadas a Europa foi capaz de criar. Que se conheça, a única que tem como sujeito um homem novo. É a ideia maravilhosa de que todas as crianças do Mundo devem ser concebidas como seres nascidos para ler. O que equivale a dizer que a leitura deve ser elevada à categoria duma segunda natureza da pessoa. E que a sociedade deve promovê-la como um elemento tão importante quanto se lhe reconhece o direito a uma família ou um alimento. A ideia de que esse direito imprescindível deve ser promovido pelos Estados e por todos aqueles que sabem que a leitura amplia a vida, como um dever de contágio formidável. Esta, sim, é uma ideia de Futuro e aponta para um novo paradigma de instrução para a Liberdade, no momento em que se desenham no horizonte rumores de pensamentos únicos e amnésias planificadas. O que os novos planos de leitura, que hoje em dia se implantam um pouco por toda a parte, trazem de novo é isso mesmo - Servem para proporcionar a hipótese de que esses momentos inaugurais de encontro com um livro colocado entre os olhos da criança e o abraço, se multipliquem, uma e outra vez, se prolonguem, mudem de local e de suporte, mudem de figuras e de géneros, mas que estejam sempre lá. À espera do acaso. O que significa que proporcionar esse acaso se transformou num dever. E porque não dizê-lo? - Para muitos países, como o nosso, talvez esta seja uma oportunidade única para nos transformarmos da antiga nação que somos com relutância à leitura, numa sociedade aberta, moderna, civilizada pelos livros.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Celebração da Páscoa

A professora de EMRC, professora Isabel Mesquita, animou a vitrine da BE com objectos utilizados na celebração da Páscoa cristã.
                 

quinta-feira, 21 de março de 2013

Dia Mundial da Poesia


O Portugal Futuro

O Portugal futuro é um país 
aonde o puro pássaro é possível
e sobre o leito negro do asfalto da estrada
as profundas crianças desenharão a giz
esse peixe da infância que vem na enxurrada
e me parece que se chama sável
Mas desenhem elas o que desenharem
essa é a forma do meu país
e chamem elas o que chamarem
portugal será e lá serei feliz
Poderá ser pequeno como este
ter a oeste o mar e a espanha a leste
tudo nele será novo desde os ramos à raiz
À sombra dos plátanos as crianças dançarão
e na avenida que houver à beira-mar
pode o tempo mudar será verão
Gostaria de ouvir as horas do relógio da matriz
mas isso era o passado e podia ser duro
edificar sobre ele o Portugal futuro

                                  Ruy Belo

quinta-feira, 14 de março de 2013

segunda-feira, 11 de março de 2013

O prazer da leitura


Gosto de dizer. Direi melhor: gosto de palavrar. As palavras são para mim corpos tocáveis, sereias visíveis, sensualidades incorporadas. Talvez porque a sensualidade real não tem para mim interesse de nenhuma espécie – nem sequer mental ou de sonho -, transmudou-se-me o desejo para aquilo que em mim cria ritmos verbais, ou os escuta de outros. Estremeço se dizem bem. Tal página de Fialho, tal página de Chateaubriand, fazem formigar toda a minha vida em todas as veias, fazem-me raivar tremulamente quieto de um prazer inatingível que estou tendo. Tal página, até, de Vieira, na sua fria perfeição de engenharia sintáctica, me faz tremer como um ramo ao vento, num delírio passivo de coisa movida.
Como todos os grandes apaixonados, gosto da delícia da perda de mim, em que o gozo da entrega se sofre inteiramente. E, assim, muitas vezes, escrevo sem querer pensar, num devaneio externo, deixando que as palavras me façam festas, criança menina ao colo delas. São frases sem sentido, decorrendo mórbidas, numa fluidez de água sentida, esquecer-se de ribeiro em que as ondas se misturam e indefinem, tornando-se sempre outras, sucedendo a si mesmas. Assim as ideias, as imagens, trémulas de expressão, passam por mim em cortejos sonoros de sedas esbatidas, onde um luar de ideia bruxuleia, malhado e confuso.
Não choro por nada que a vida traga ou leve. Há porém páginas de prosa que me têm feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noite em que, ainda criança, li pela primeira vez numa selecta o passo célebre de Vieira sobre o rei Salomão. «Fabricou Salomão um palácio…» E fui lendo, até ao fim, trémulo, confuso: depois rompi em lágrimas, felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquele movimento hierático da nossa clara língua majestosa, aquele exprimir das ideias nas palavras inevitáveis, correr de água porque há declive, aquele assombro vocálico em que os sons são cores ideais – tudo isso me toldou de instinto como uma grande emoção política. E, disse, chorei: hoje, relembrando, ainda choro. Não é – não – a saudade da infância de que não tenho saudades: é a saudade da emoção daquele momento, a mágoa de não poder já ler pela primeira vez aquela grande certeza sinfónica.

Fernando  Pessoa – Bernardo Soares - Livro do Desassossego

ODE AOS LIVROS QUE NÃO POSSO COMPRAR

Ode aos livros que não posso comprar

Hoje, fiz uma lista de livros,
e não tenho dinheiro para os poder comprar.

É ridículo chorar falta de dinheiro
para comprar livros,
quando a tantos ele falta para não morrerem de fome.

Mas também é certo que eu vivo ainda pior
do que a minha vida difícil,
para comprar alguns livros
__ sem eles, também eu morreria de fome,
porque o excesso de dificuldades na vida,
a conta, afinal certa, de traições e portas que se fecham,
os lamentos que ouço, os jornais que leio,
tudo isso eu tenho de ligar a mim profundamente,
através de quanto sentiram,, ou sós, ou mal acompanhados,
alguns outros que, se lhes falasse,
destruiriam sem piedade, às vezes só com o rosto,
quanta humanidade eu vou pacientemente juntando,
para que se não perca nas curvas da vida,
onde é tão fácil perdê-la de vista, se a curva é mais rápida.

Não posso nem sei esquecer-me de que se morre de fome,
nem de que, em breve, se morrerá de outra fome maior,
do tamanho das esperanças que ofereço ao apagar-me,
ao atribuir-me um sentido, uma ausência de mim,
capaz de permitir a unidade que uma presença destrói.

Por isso, preciso de comprar alguns livros,
uns que ninguém lê, outros que eu próprio mal lerei,
para, quando se me fechar uma porta, abrir um deles,
folheá-lo pensativo, arrumá-lo como inútil,
e sair de casa, contando os tostões que me restam,
a ver se chegam para o carro eléctrico,
até outra porta.

 1919 / 1978                                Jorge de Sena – 40 Anos de Servidão