“O Bom Inverno” – João Tordo
Bem escrito, com uma boa selecção de vocabulário, bem estruturado e desenvolvido,O Bom Inverno é um excelente romance negro que, apesar do seu estilo clássico, não deixa de surpreender o leitor. Este é, igualmente, um livro sobre escritores e o processo de escrita e aqui por certo as vivências pessoais de Tordo não terão sido esquecidas na hora de “montar” uma série de personagens fascinantes.
O enredo avança lenta mas progressivamente para o abismo. Tudo começa numa reunião de escritores na Hungria, onde um depressivo autor português trava conhecimento com um estouvado italiano, e acaba num denso bosque italiano, onde não faltam cadáveres, carreiros sem saída, desconfianças, traições, vinganças, dolorosas revelações e estranhas formas de justiça.
O escritor português, um frustrado que faz do Dr. House uma referência (coxeia como ele, mas sem motivos para o fazer – é tudo psicológico), aceita, contrariado, participar num encontro literário em Budapeste – o dinheiro pago pela presença faz-lhe jeito, dada a escassa produção literária que tem tido. Na Hungria trava conhecimento com o extrovertido e inconsequente Vicenzo, que, apesar de ser o oposto do português, o convence a ir a Sabaudia, à casa de um produtor de cinema conhecido por apoiar artistas. Lá em Sabaudia, onde se reúne um grupo internacional de artistas e “penduras” (cada um mais estranho e louco do que o outro), quando o tal produtor, Don Metzger, aparece, já está morto, e logo no lago de sua casa.
Em O Bom Inverno há um bom leque de personagens cativantes e imprevisíveis, um leque onde podemos incluir a própria casa de Don, “personagem” fundamental para o desenrolar da história. Fundamental, também, é Bosco, um artista catalão – careca, fisicamente enorme e assustador – protegido por Don que se dedica a construir e lançar balões de ar quente e que carrega um passado pouco habitual para alguém ligado às artes, pois passou por diversos cenários de guerra e morte. É Bosco quem quer – à força (e não é pouca) – justiça, uma forma de vingar o seu protector, que, achava ele, já antes era “sugado” pelos seus convidados/protegidos. Para tal, não deixa ninguém sair de lá e, criando um ambiente terrível entre as personagens, pretende descobrir, escondendo-se no bosque, o culpado. O ambiente claustrofóbico que se gera puxa pelo lado mais negro e deprimente das pessoas envolvidas, não permitindo a ninguém afirmar-se e mostrar-se totalmente inocente.
É, portanto, um livro de muitas personagens, muito diferentes entre si, como se o próprio autor as quisesse descobrir, ver como se comportavam em condições extremas. Para o leitor tanto melhor, pois também tem a possibilidade acompanhar o desenvolvimento dessas personagens. E, avisa-se desde já, não vale a pena nutrir simpatia por nenhuma em especial, todas hão-de revelar os seus podres.
Sem comentários:
Enviar um comentário